quarta-feira, 15 de abril de 2009

Marrom, por Pedro Tierra


Para expressar minha subscrição ao texto de Hamilton Pereira, transcrevo-o abaixo.

em 13/04/2009

Por algum motivo ainda não esclarecido, o diário Folha de S. Paulo tem se empenhado, nos últimos tempos, em imitar a sua pior face: a Folha da Tarde. Reproduz em pleno século XXI, os melhores momentos do jornalismo de delegacia de polícia, uma das formas com que a empresa expressava, nos anos 70, seu apoio ao regime dos generais.

A matéria do domingo, 5 de abril, com chamada de capa (em marrom): “Grupo de Dilma planejou o seqüestro de Delfim Netto”, estampada com manchete na página A8, recupera com certo estilo retrô, o que era o quotidiano da Folha da Tarde nos seus anos glória. Igualam-se. No estilo, no conteúdo e no método. A repórter sai brifada da redação com uma tese no caderno de notas em busca de uma entrevista que lhe sirva de âncora e de comprovação para vender ao leitor como se fosse notícia. Ao editor, cabe o resto do serviço: produzir a manchete que ilustrará, no futuro próximo, o programa eleitoral do candidato José Serra à Presidência da República, na televisão. Assim o vistoso jornal busca ampliar o alcance da sua mensagem, por outro veículo, para escapar da irrelevância, já que definha o número de assinantes.

A matéria, além do exame sobre seus óbvios propósitos político-eleitorais, deveria ser oferecida à análise dos psicanalistas. Hélio Pellegrino, brilhante intelectual e psicanalista mineiro-carioca, reproduzia um diálogo com seu filho adolescente, depois de algum drama familiar, para ilustrar a antiga convicção dos gregos: “tudo bem que “os filhos vieram ao mundo para destruir os pais”, mas tinha que ser à prestação?!” Parece que os herdeiros da Rua Barão de Limeira se empenham em destruir metodicamente a reputação do império construído por Otávio Frias em prestações a perder de vista...

Para reproduzir o ambiente policialesco daqueles anos marcados pelo medo, pela espionagem, a delação, a mentira, os assassinatos sob tortura oferecidos ao leitor como atropelamentos, tentativas de fuga, desaparecimentos, a mistificação do “prá frente Brasil”, o diário recorreu a duas entrevistas: uma com o ex-dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, Antônio Roberto Espinosa, hoje, doutorando da USP; outra com a ex-militante da mesma organização e hoje ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

O primeiro, no dia seguinte à publicação da matéria, desafiou o jornal a publicar a íntegra do que afirmara na entrevista para que o leitor comparasse as palavras que realmente disse com o que denominou de “imundície publicada”. O jornal respondeu com candura: “A Folha não afirmou que Dilma queria seqüestrar Delfim.”

A ministra respondeu com objetividade às perguntas de uma repórter que se comporta como uma patética aspirante a inquisidora. “O delegado ficou bem impressionado com a senhora depois do interrogatório. A ponto de defini-la como uma pessoa com dotação intelectual apreciável”, comenta a certa altura da entrevista. Ótimo, a Folha agora recupera a invejável condição de porta-voz da delegacia de polícia. A ministra Dilma deve ter-se sentido realizada ao ouvir as sentenciosas opiniões do delegado graciosamente transmitidas pela repórter sobre suas aptidões intelectuais...

Um jornal, que apesar de ter colaborado ativamente com a ditadura militar, cumpriu um papel relevante na divulgação da campanha das “Diretas Já”, nos anos 80, num momento em que esteve em sintonia com as aspirações da maioria da sociedade, deveria dar-se ao respeito. E respeitar seus leitores. Depois do árduo processo de reconstrução democrática que vivemos no Brasil, nos últimos 30 anos, não é aceitável retroceder a um jornalismo rastejante, como o praticado nessa matéria do domingo, 5 de abril.

Temos aí um prenúncio do que virá na campanha de 2010. E um adeus às ilusões de alguns que insistem em estabelecer com a mídia conservadora do Brasil uma relação politicamente ingênua. Como se estivessem tratando com empresas que vendem informações à sociedade, num regime democrático. A regra – e não a exceção – na mídia brasileira radicalmente editorializada, é vender opinião em lugar de notícia. Lições a aprender.

Pedro Tierra (Hamilton Pereira) é membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.


Link da notícia (clique auqi)


Carlos de Andrade
escritor, autor do romance Chuva de Novembro


domingo, 12 de abril de 2009

A descoberta da arte na era de sua reprodutibilidade técnica


Este texto deve, obrigatoriamente, fazer referência a Walter Benjamin, um dos principais teóricos do marxismo e um dos mais importantes estudiosos da sociologia da arte. Em um célebre ensaio “A obra de arte da era da sua reprodutibilidade técnica”, texto datado de 1936, o pensador alemão lançou as bases para o estudo da cultura de massas e fez uma relevante análise sociológica do cinema.


O que é a arte para uma criança pobre da periferia de uma grande cidade? A pergunta não deve ser feita apenas no contexto histórico atual, mas, retrocedendo 30 anos no tempo, dever ser feita em um período em que ainda não vivíamos o limite da “obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”.


Era 1978, eu tinha oito anos de idade e cursava o segundo ano primário na Escola Estadual XV de Novembro, atualmente chama-se Escola Estadual Escultor Galileo Emendabili.
Morávamos num cortiço, em uma casinha de tijolinhos; eram dois pequenos cômodos que, juntos, não mediam mais que doze metros quadrados; a altura não superava 1,90 metros, cobertos por telhinha francesa, a pequena cozinha não possuía janela, o quarto possuía um pequeno vitrô de 40X40cm, era muito abafado.

Aquela situação claustrofóbica era nova para mim. Eu tinha acabado de regressar do orfanato na cidade de Catanduva, onde permaneci dos três aos sete anos. Meus irmãos ainda estavam distribuídos: Rosangela, a mais nova, morava na casa de um tio paterno, no mesmo bairro, mas intransponível para uma criança de sete anos; Leodete estava no Paraná, na casa de um tio materno; Henrique e Sidnei, os mais velhos, estavam em um internato em Potim, cidade vizinha de Aparecida do Norte, no vale do Paraíba, noroeste de São Paulo. Minha mãe trabalhava como cozinheira em um restaurante, cujo prédio foi desapropriado pelas obras do Metrô paulistano. O restaurante ficava atrás do edifício da Fazenda Estadual, exatamente aonde hoje a linha do metrô, quando vindo da estação Dom Pedro I sentido estação Sé, mergulha sob a selva de concreto paulistana. Quando mamãe saía para trabalhar era madrugada, a viagem, do XV de Novembro, extremo leste da cidade, até o Parque Dom Pedro, naquele tempo, durava horas de sacolejo dentro do ônibus. Quando ela retornava passava da meia-noite. Eu quase que não a via e, por precaução, eu só era autorizado sair para ir à escola. Meu mundo era subdimensionado, quando saía as ruas imaginava que o limite do mundo era exatamente onde minha vista alcançava.
Naquele tempo o máximo de tecnologia que minha família tinha para reproduzir a arte, neste caso específico a música, era uma vitrola de madeira que, de tão pequena, quando tocávamos um long play pelo menos metade do disco girava fora da dimensão do aparelho. Minha mãe ouvia principalmente Odair José, Fernando Mendes e Waldick Soriano. Eu ficava olhando o disco de vinil girar e me indagando como o som saia dali, como se reproduzia, mas a principal reflexão referia-se a permanência da emoção que emanava das composições. “Eu você e a praça” e “Vou tirar você desse lugar”, do Odair José tinham uma capacidade especial de prender a atenção e emoção da minha mãe e, por conseguinte, minha própria emoção.


Era 1978. Naquele ano a escola organizou uma visita ao Teatro Municipal de São Paulo , ao que me recordo tratava-se de uma apresentação sobre a história da música desde a pré-história. Fomos de ônibus. Durante o caminho cantamos canções infantis e desafiamos o motorista a correr mais um pouquinho. No percurso renovei a minha percepção de quão grande era o mundo, percepção que havia se perdido na mediocridade dos dias. Chegamos ao Teatro Municipal e, logo na fachada, ainda na parte externa, o contato com a arquitetura clássica impressionou-me sobremaneira. O luxo e beleza da parte interna, dos salões aos acentos embebedaram-me. Lá dentro, depois de um tempo na escuridão, as cortinas se abriram e revelaram um universo inimaginável. O maestro, que sempre acreditei ser Isaac Karabtchevsky, diante da orquestra deu o sinal e, em segundos, meu mundo foi implodido, e o próprio significado de ser humano ganhou para mim uma nova dimensão. O som impactante, grandiloquente, absolutamente harmônico, transpassou todos meus órgãos, me arrancou lágrimas e fez vibrar cada músculo do meu corpo: Concerto para piano e orquestra Nº 1 em Si bemol menor, op. 23 de Tchaikovsky. Estava diante de algo que não sabia conceituar: a arte. Os sons aliado a arquitetura compunham naquele instante a revelação da arte , cuja existência e beleza jamais havia sequer suspeitado, muito menos experimentado. A arte não era ali uma reprodução, como nos discos de vinil da minha mãe, mas, produzida ali, naquele instante, no interior daquele templo dedicado à cultura e a humanidade, sua existência era única, assim como a impressão que deixaria em meu espírito. Em seguida executou-se “O Guarani”, vivíamos o fim do regime ditatorial e esta composição de Carlos Gomes era o som da vinheta de abertura da “Voz do Brasil”, algo que descobri somente anos mais tarde. A música de Tchaikovsky, porém, com sua plasticidade, grandiosidade e força permaneceram em minha alma. Desde então todas as formas de arte que experimento é uma tentativa infrutífera de tentar reproduzir, resgatar o prazer, o arrebatamento estético, a catarse experimentada no primeiro momento em que ouvi Tchaikovsky no Teatro Municipal de São Paulo. A lembrança estética que guardo daquele episódio é a referência mais próxima daquilo que convencionamlente entendemos por êxtase religioso e, naquela tarde, ao regressar para casa eu já estava convertido, tinha experimentado a grandiosidade e beleza do divino na minha própria dimensão humana.


Carlos de Andrade
escritor, autor do romance Chuva de Novembro


sábado, 4 de abril de 2009

A indústria noticiosa, mensalão e outras notícias

Depois de Fernando Collor de Mello a "invenção" do mensalão foi o maior golpe de engenharia política desferido pela indústria noticiosa faminta em garantir seu tradicional espaço sobre a mesa do poder e no orçamento do Estado brasileiro. O neologismo mensalão é uma variante da palavra mensalidade usada para se referir a uma suposta “mesada” paga a deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo Federal. Embora a palavra tenha sido cunhada pelo deputado Roberto Jefferson e celebrada pela Folha de São Paulo em junho de 2005, a prática dos Executivos pagarem mensalidades à bancada de oposição nos Legislativos é uma manobra tão antiga quanto conhecida de nossa República, sobretudo na esfera municipal e estadual. No episódio que a mídia denominou de mensalão, o que desperta a reflexão é que a tal mesada, contrário à lógica da política nacional, não era paga à oposição para votar com a bancada da situação, mas à bancada do próprio governo já beneficiada com cargos do alto escalão e ministérios.
O que precisa ficar claro para todo o país é que a mídia é um negócio como qualquer outro negócio, como a indústria da construção civil ou o setor financeiro. A construção civil e o setor financeiro, porém, fazem lobby doando para seus candidatos e partidos de um modo transparente, submetendo-se, inclusive, tanto o doador como o favorecido, à fiscalização pública de um eventual tráfico de influência ou de outros vícios que este tipo de relação pode resultar; questão indubitavelmente relevante e que deverá ser tratada pela reforma política.
A mídia, no entanto, traveste suas doações e interesses sob o manto imaculado da notícia; manipulam os fatos e destroem a reputação dos adversários e depois publicam a peça publicitária como se fosse a coisa mais pura e destituída de qualquer interesse senão o bem-estar da nação.
Sabemos como a coisa funciona nas pequenas cidades: quando o jornaleco recebe verba de publicidade da prefeitura dá destaque aos atos do governo, coloca a cara do prefeito na primeira página e oculta toda corrupção que limpa os cofres da cidade; inversamente, quando o prefeito deixa de publicar o jornal faz oposição e ensaia denunciar a quadrilha, resumidamente: “Ou paga ou apanha”.
Este é um dos piores cânceres que destrói nossa sociedade: em cada cidadela do interior do país existe pelo menos um caipira cretino metido a empresário da mídia rindo da cara de William Randolph Hearst, o magnata das comunicações norte-americano que inspirou em Orson Welles a criação de Cidadão Kane. E ainda temos as grandes empresas do setor com poder em todo o território nacional. Verdadeiros Kraken da comunicação. Manipulam a opinião pública e fazem naufragar o interesse coletivo com seus tentáculos poderosos: revistas, jornais e televisão. Elegem qualquer safado desde que a fatura da campanha seja paga após a abertura do cofre público. Quando o larápio se apodera da caneta mágica, num simples abra-te Sésamo, são introduzidos no mundo mágico da fortuna instantânea. A moeda corrente desses cretinos, em geral, é novas concessões de transmissão, verbas de publicidade, fraude em licitações e tráfico de influência.
As grandes empresas de comunicação do nosso país faz de Cidadão Kane uma historinha imbecil para iniciantes na arte de como fazer fortuna manipulando o povo para saquear os cofres públicos em parceria de políticos corruptos.


Carlos de Andrade
escritor, autor do romance Chuva de Novembro


sexta-feira, 3 de abril de 2009

As instituições nascem Estóicas e morrem Epicuristas.


As instituições são organismos vivos e têm grande semelhança com aqueles que lhes dão vida: o homem. O homem, tal como as instituições, nascem estóicos e, em geral, morrem epicuristas. O epicurismo e o estoicismo são duas doutrinas filosóficas que floresceram na Grécia no século III A.C.
O estoicismo propõe viver de acordo com a lei racional da natureza e aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo ao ser. O homem sábio obedece à lei natural reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito do universo. O epicurismo, por outro, lado preconiza que para ser feliz o homem necessita de três coisas: liberdade, amizade e tempo para meditar e que a presença do prazer é sinônimo de ausência de dor, ou de qualquer tipo de aflição: a fome, a abstenção sexual, o aborrecimento, etc. Para os epicuristas uma vida de continuo prazer é a chave para a felicidade total e absoluta.
Ao afirmar que os homens e as instituições nascem estóicas e morrem epicuristas aparentemente me entrego ao determinismo, doutrina que prega que todos os acontecimentos, inclusive vontades e escolhas humanas, são causados por acontecimentos anteriores, ou seja, o homem é fruto direto do meio, logo, destituído de liberdade total de decidir e de influir nos fenômenos em que toma parte, mas esta entrega ao determinismo é apenas aparente, visto que me filio filosoficamente a Jean-Paul Sartre para quem o homem está condenado a ser livre, escolher o tempo todo.
O Partido dos Trabalhadores em breve estará completando 30 anos. Nascemos estóicos, revolucionários e fizemos uma revolução na política e na história do Brasil. A idade de trinta anos, porém, é cabalística. É a Idade da Razão. Foi a partir dos trinta anos que Jesus tomou a maior decisão de sua vida: ser o Cristo ou o “homem” de “A última tentação de Cristo”, do escritor grego Nikos Kazantizakis, filmado por Martin Scorcese, onde Jesus acalenta o sonho de casar-se com Maria Madalena para ter muitos filhos e netos, renunciando, portanto, ao seu messianismo.
Existe um fato: as instituições nascem estóicas e morrem epicuristas. Mas o grande mérito das instituições e do homem é a liberdade de protelar esta queda ao epicurismo. Houvesse Jesus caído na “Última tentação de Cristo” o mundo deixaria de conhecer o cristianismo. Este é o dilema pelo qual nosso partido passa ao aproximar-se de seus trinta anos. Por quanto tempo o Partido dos Trabalhadores manterá vivo as raízes ideológicas, o princípio ético e ideais sociais pelos quais foi criado? Por quanto tempo ainda seremos um partido político antes de nos convertermos em uma simples legenda? Por quanto tempo ainda seremos idealistas, no sentido de lutar por uma sociedade mais justa para todos, antes de nos convertermos ao pragmatismo individualista?
A ética partidária deve ser rediscutida. Precisamos reafirmar nossos valores se quisermos sobreviver como partido político. Qualquer escolha diferente disso será uma renúncia ao papel histórico que assumimos no início da década de 80 quando nascemos vocacionados ao estoicismo e à revolução.


Carlos de Andrade

escritor, autor do romance Chuva de Novembro